Para além do corporativismo de O Globo: a resposta de um professor

assembleia Rio

Nesta segunda, 02/09/13, O Globo publicou sua opinião sobre a greve dos professores das redes municipal e estadual do Rio de Janeiro. Como era de se esperar, criticou o movimento e o que chamou de corporativismo dos professores que são contra a meritocracia. Vale ressaltar que o jornal publicou tal opinião no mesmo dia em que o prefeito do Rio deu uma entrevista em um programa de TV e um desembargador classificou a greve como irregular, determinando que os professores voltassem ao trabalho em até 48 horas – santa coincidência.

A crítica do jornal é cheia de pressuposições, contradições e equívocos e ilustra bem qual é a sua proposta para a educação pública brasileira. O texto começa dizendo que a greve está “pautada, mais uma vez, por reivindicações salariais — ainda que outras questões, não econômicas, mas adjacentes à Educação, tenham, como sempre, encorpado a pauta de “lutas” da categoria”. Primeiramente, no caso da rede municipal, a luta se mantém apesar dos ganhos salariais já prometidos por Paes durante as negociações. O que é chamado de “questões adjacentes” pelos supostos jornalistas é considerado primordial para educadores e estudiosos: a prefeitura descumpre lei federal de 1/3 de carga horária para planejamento; condições de trabalho (salas superlotadas e falta de infraestrutura) e concepções de educação (contra a meritocracia e a mercantilização da educação pública).

Acabamos de sair de um momento onde as mobilizações nacionais clamavam por melhor educação. O salário dos profissionais da educação é um ponto chave para a concretização destas demandas. O rendimento inicial de um professor da rede municipal do Rio, uma das cidades mais caras do mundo, é quase 4 vezes menor do que o de um burocrata do judiciário e 20 vezes menor do que o dos juízes que declaram as greves de educadores ilegais. Em países como a França ou a Espanha, a relação de ganho inicial professor/juiz não passa de 1 para 3. Nesta situação, é normal que a principal pauta de reivindicação dos trabalhadores seja a salarial. O Globo esbanja hipocrisia no discurso que defende melhor educação, desde que com professores calados e mal pagos.

Na opinião do jornal esta greve “é um movimento que não desfaz os verdadeiros nós da Educação”, pois “os problemas do ensino público são mais abrangentes”. É óbvio! Este é um movimento dos trabalhadores da educação por melhores condições de vida e trabalho para uma categoria que, apesar de sua importância, é a mais mal paga do país. Não é uma proposta de revolução na educação. Se os professores não conseguem convencer certos políticos a pagá-los dignamente, a cumprir leis e acordos já sacramentados, quanto mais resolver “os verdadeiros nós da educação”. Este argumento, além de ingênuo, reproduz um ideal bastante difundido na sociedade brasileira de que o professor é um salvador, um herói que deve se sacrificar e resolver os problemas da sociedade por meio da idolatrada educação. Mudar o sistema de ensino e o valor dado à educação no país é uma atribuição de toda a sociedade e não de uma categoria de profissionais. E, se os governos, a Justiça e a mídia corporativa se opõem a todo e qualquer movimento dos profissionais de educação fica ainda mais difícil.

O Globo diz que alunos ficam “reféns do movimento” de um mês, quando, na verdade, os sequestradores são os sucessivos governos que não aplicam o mínimo constitucional em educação; que mantêm escolas funcionando como depósitos de gente; que desviam verbas públicas de educação para contratar empresas e instituições privadas como a Fundação Roberto Marinho, a fim de que estas implementem seus projetos de concepções pedagógicas e qualidade duvidosos.

Por fim, chamar a crítica à meritocracia de corporativismo é sinal de uma miopia grave ou uma estratégia discursiva canalha de persuasão. Em todo o mundo, uma série de estudos demonstra o equívoco que representa a meritocracia na escola pública. Esta proposta se associa a um movimento de culpabilização do professor que legitima a contratação de consultorias a peso de ouro que prometem resolver o problema da educação e nunca o fazem. Não se trata de corporativismo, mas de uma outra concepção de mundo e de educação. A crítica à meritocracia considera que, acima de tudo, crianças não são produtos e que o conhecimento é construído e processual. Logo, qualquer iniciativa que classifique alunos e professores por meio de provas externas vai auferir apenas o desempenho pontual com base em certos critérios. Não avalia o desenvolvimento do ensino e do aprendizado, ou seja, o que alunos e professores construíram de conhecimento no processo. Como os alunos partem de patamares diferentes e é impossível medir de quanto foi a contribuição de um professor ou de outro no desempenho do aluno, a medição e a remuneração maior ou menor de profissionais com base em seus resultados, propostas pelas políticas meritocráticas, é extremamente injusta. Logo, ao invés de corporativismo, trata-se de mais uma luta contra as inúmeras injustiças por que passam os professores na sociedade brasileira.

Link para o texto de O Globo: http://oglobo.globo.com/opiniao/alem-do-corporativismo-9766376

Link para a resposta da direção do sindicato: http://oglobo.globo.com/opiniao/fraude-na-educacao-9766388

Guilherme de Alcantara – Professor de geografia da rede pública.

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11 respostas para Para além do corporativismo de O Globo: a resposta de um professor

  1. Excelente texto, Guilherme. Parabéns! Compartilharei-o.

  2. Lourdes Bastos disse:

    O poder da Rede Globo decresce a cada dia. Chega de manipular a opinião pública a favor dos interesses de uma elite caduca. Os tempos mudaram, a informação não é mais monopólio de vocês. Parabéns pelo texto, claro e objetivo.

  3. Rebeca Brandão disse:

    Guilherme, muito bom seu texto. Vou citá-lo em minha dissertação de mestrado. Estou discutindo justamente a questão que aponta no texto sobre a demanda que os professores em geral tem de considerar a educação como idolatria. Bacana também sua analogia da meritocracia à culpabilização dos professores pelos problemas da educação.

  4. Excelente, Guilherme.

  5. Pingback: Guilherme de Alcantara: Resposta a O Globo sobre greve no Rio - Viomundo - O que você não vê na mídia

  6. Ana Maria Prazeres da Guia disse:

    Parabéns, professor. Obrigada pelo texto tão claro e completo. Obrigada por falar por todos nós, que defendemos a Educação no país.

  7. ILANA CARDOSO DE GOUVEIA disse:

    Guilherme, você me representa!!!
    Respondeu brilhantemente ao editorial! Aliás, o mesmo que fez a “autocrítica, dizendo-se arrependido de ter apoiado a ditadura”. O que a GLOBO apoiou e continua apoiando, de fato é aos interesses das grandes CORPORAÇÕES, das quais sempre fez parte…em tempos de Jango…preferiu os militares,Guilherme, você me representa!!!
    Respondeu brilhantemente ao editorial! Aliás, o mesmo que fez a “autocrítica” dizendo terem se arrependido de ter apoiado a ditadura. O que a GLOBO apoiou e continua apoiando, de fato, é aos interesses das grandes CORPORAÇÕES, das quais sempre fez parte…em tempos de Jango…preferiu os militares…hoje pode negá-los, porque não precisa mais deles! No Mov. Diretas Já…tentou omitir informações e manipular transmissões para tentar minimizar o movimento. Nos debates da candidatura COLLOR, seu mais famoso diretor produtor J.B. Oliveira (Boninho) confessou ter manipulado a produção do debate com o opositor LULA (que acabou perdendo as eleições. É isso mesmo a GLOBO APOIOU A DITADURA E ELEGEU COLLOR DE MELLO!!!

    De quem é o corporativismo? Basta ver aquele quadro que mostra que de 2009 até 2013 só a prefeitura do RJ (não tenho os dados do Estado!) já desviou mais de 37 milhões para os cofre da FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO!!

    …vou repassar seu texto ao sepe para o setor de imprensa, ok?!

    Abç
    Ilana/ prof da rede estadual de São Gonçalo

  8. Elizabeth Paiva, professora da Rede Municipal de Duque de Caxias. disse:

    É impressionante como o professor acabou se transformando no bode expiatório da má qualidade da educação neste país, cujos principais responsáveis são justamente estes políticos que utilizam a educação apenas como discurso político, fazendo com que a grande massa de pessoas que acredita na Rede Bobo e que também vota neles acredite que seu filho poderá ter um futuro melhor estudando. Seria verdade se a nossa educação pudesse realmente ter o apoio do estado, mas nós, os professores, que trabalhamos no dia-a-dia em sala de aula, que fazemos de tudo para conseguir algum resultado positivo para o aluno, acabamos sendo “responsabilizados” por todo o “mal” da educação. No entanto, a maior vítima do descaso que o governo tem com a educação é o aluno, este aluno que os discursos falam que tem tanta importância….. Mas claro, naõ interessa aos políticos investir realmente na educação, numa educação critica e de qualidade, porque jamais seriam eleitos ou reeleitos por pessoas com esta formação. E nós, que convivemos com a verdadeira realidade da educação, quando fazemos greve para mostrar a hipocrisia destes políticos e a nossa realidade de trabalho, somos “demonizados” por essa mídia grande que faz o jogo de interesse dos políticos….

  9. Sandra Fatima dos Santos Ferreira disse:

    Depois disso, eles não podem mais dizer que não sabem do que estamos falando.

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